sexta-feira, 27 de abril de 2012

O CRIME DO RINCÃO DE SÃO BRAZ

                                 Eliani G. Vieira

Em junho de 1828, mais precisamente, dia 10, na sede da Estância de São Braz do Cel. Ignácio dos Santos Abreu, comandante da Freguesia de Viamão, havia um clima tenso no ar, até os animais sentiam a preocupação da família. Todos buscavam por José Ignácio, pois  o mesmo, havia saído de casa no domingo, dia 9, em busca de um escravo e  ainda não regressara. Jose Ignácio dos Santos Abreu, com 21 anos, era filho do Coronel e de Francisca Perpétua. Na ausência do pai, o substituía na administração da Estância, os escravos se referiam a ele como o senhor novo.  Ignácio, o pai, que estava em Porto Alegre, foi chamado, às pressas.
João José de Moura, capataz da fazenda do Cel. Abreu, junto com Felizardo Gomes e outros homens, saíram à procura do moço. A noite chegou dificultando as buscas que foram reiniciadas no dia seguinte. Passaram-se dois dias e nada. Mas  na  quarta-feira, por volta das 15 horas , próximo ao  faxinal,  junto a propriedade de Daniel Nunes Vieira, encontraram, no caminho da fazenda do coronel, o chapéu de palha, as esporas de ferro  e  próximo aos objetos,  o corpo de José Ignácio. Embaixo do corpo encontraram uma faca de ponta, que o capataz, João de Moura, reconheceu ser do escravo Joaquim Guari. Guari ,  crioulo, solteiro, natural de Viamão com mais ou menos 30 anos, era escravo do Cel. Ignácio.
Ao receber os pertences do filho e também seu corpo, o Cel. Ignácio ,solicitou um exame de corpo de delito, que foi realizado pelo professor Francisco José da Veiga e o Juiz Henrique José de Azevedo. Enquanto isso, providenciou a prisão dos possíveis envolvidos no crime, o escravo Joaquim Guari e também os escravos Rita e Antônio, do vizinho Daniel Nunes.
Diante do acontecido, muda-se a rotina da pequena Capela de Viamão. O vilarejo se agita com a prisão dos escravos. Todos comentavam sobre o ocorrido. Foi instaurado um processo, onde muitos moradores da localidade foram ouvidos, dentre eles estavam soldados, vizinhos, carcereiros, o capataz da fazenda, o escravo Joaquim e os pretos Rita e Antonio, escravos de Daniel Nunes e, por último o coronel Abreu.
 Preso na cadeia da Vila, Joaquim, confessara  à várias pessoas que havia assassinado seu senhor novo, José Ignácio. No auto de Corpo Delito, atestaram que o morto levara seis talhos na cabeça, duas estocadas do lado esquerdo,  na altura das costelas e outra abaixo do umbigo. Na cidade era de conhecimento de todos, que o falecido havia se envolvido em uma briga, com três soldados desertores, da qual saiu bastante contundido, mas que na época não deram queixa,  o próprio Guari , num primeiro momento,  dissera, para se livrar, que os mesmos soldados, haviam assassinado seu senhor. Mas, todas as evidências levaram Joaquim Guari a condenação, pois além dele ter confessado o crime, foram encontradas com ele as roupas ensanguentadas, a espada do falecido e, também, encontraram a faca dele, junto ao corpo.  Ao prenderem Joaquim, foi observado, que lhe faltava o dedo mínimo da mão direita. Analisando os fatos, entende-se que  houve enfrentamento entre os dois, onde o escravo perdeu o dedo e o senhor a vida. Os escravos  nem sempre sofriam calados, muitas vezes resistiam, chegando a extremos como neste caso, do filho do coronel Abreu.
Transcrição livre dos  Autos do processo sobre o assassinato de José Ignácio Abreu, filho do Cel.  Ignácio  dos Santos Abreu:

“ Diz o Cel. Ignácio dos Santos Abreu [...] que havendo de administrador na sua Fazenda de São Braz, seu filho de nome José Ignácio de Abreu,  aconteceu de sair da mesma fazenda,  na noite de 9 de março de 1828, em torno das 22 horas, para buscar um escravo por nome Joaquim , que estava em casa de Daniel Nunes  por vadiação, passando pela casa da viúva  Josefa Maria, com a intenção de levar consigo Felizardo Gomes  e , não o fez por não ter cavalo pronto para o acompanhar. Saindo ele dali foi para conduzir o escravo e este se lhe opôs de maneira tal que o assassinou,  lhe dando seis talhos na cabeça , duas estocadas nas costelas do lado esquerdo e outra embaixo do umbigo. Este assassinato foi perpetrado distante da casa de Daniel Nunes de oitenta a cem braças, aonde se acharam a bainha de sua espada e as esporas e o corpo em caminho para a fazenda do coronel, estava sobre a terra em cima da faca de ponta do escravo e, na ação de ser preso, se lhe achou a faca do falecido que lhe foi tirada por Felizardo Gomes, estando aquele escravo com a sua mão ferida.
A bainha da espada daquele falecido se achou na casa de Daniel Nunes e na casa de João Sapateiro o capote do falecido que era de tecido escocês, forrado de baeta verde. Foi perto, no caminho, quarta-feira , dia 12 de junho, que se achou o corpo, assim  como o chapéu de palha, de propósito, porque tinha chovido naquela noite, e, ambos estavam enxutos, indicando acharem-se guardados e postos ali , naquele dia, conforme certificou João José de Moura que os  apanhou e os levou ao suplicante.
Por este fato logo procedeu a devassa o Juiz de Fora, pela Lei desta cidade, nela juraram as testemunhas que foram chamadas pelo vintenário do lugar. Inclusive as que foram requeridas pelo suplicante e que talvez com as demais serão por fim inquiridas com aquela circunspecção necessária em razão de ser aquele juiz leigo e ter sido feito o assassinato em lugar ermo e a noite [?]. Sobre as perguntas judiciais que se fizeram ao escravo matador  e acareação com os outros pretos, João da Rosa, forro, Rita e Antonio, cativos do predito Daniel Nunes, os quais muito bem souberam do fato, e tanto que viram o dito matador cheio de sangue, logo depois do assassinato. Dizendo-lhes que aquele senhor novo, a quem tratava de Diabo, não haveria mais de inquietar-lhe, e cujas palavras disse  aquele Antonio para João forro e como o guadino era matador o botei  para fora da casa do seu senhor, como  recontaram os pretos a João Viegas, o pardo Felisberto da Branquinha, e o pardo Luciano, que os foram buscar presos e trouxeram a roupa ensanguentada que o matador mandou lavar pela mesma escrava Rita, sua amazia. Acrescento que quando o matador veio preso para esta cidade em companhia dos soldados Manuel Antunes, Antônio Baptista Diniz, José da Costa Guimarães e Antônio Rodrigues de Almeida Filho, ele declarou  a Xavier Francisco, morador ao pé da Chácara dos Telles, especificando perante os mesmos haver morto seu senhor moço, assim como depois também disse ao carcereiro Jose M. Rabello, declarando-lhe até a forma porque o havia morto. Mostrando-se tão convencido que até se atreveu a investir ao “ xadrez da cadeia” que evadiu para fugir derrubando dois guardas com um [soco]? , e, se com efeito não fosse repelido  com uma lança, teria escapado da prisão para fugir do bem merecido castigo da lei, porque o suplicante estava persuadido da necessidade destas declarações para serem confrontadas com o processo e nele se  suprir com as diligencias necessárias para melhor se descobrir a verdade. Para imposição da pena e, portanto, o suplicante  pede
              A  Vossa Majestade se digne  mandar[?] esta aos respectivos Autos para constar e se poder com  clareza proceder as diligencias necessárias.

Ignácio dos Santos Abreu  “

Joaquim Guari foi condenado em 13 de outubro de 1828, sendo sentenciado a ser levado pelas ruas da cidade , a dar três voltas ao redor da forca, e também a receber  1000 açoites, e as galés,  por toda a vida.


                                                         BIBLIOGRAFIA

Sumária-José Ignácio dos Santos -processo: 258-fundo RS -estante: 123E -ano: 1828(APERS).

LIMA, Solimar Oliveira. Triste Pampa: resistência e punição de escravos em fontes judiciárias no Rio Grande do Sul. EDIPUCRS,1997.   

Editado em 03/01/2017                          

4 comentários:

  1. Muito interessante a postagem, eu não tinha conhecimento do fato!

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  2. Obrigada. Também achamos muito interessante, chegamos ao processo através da leitura do livro de Solimar Oliveira Lima.

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  3. muito interessante, parabéns x o trabalho,

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    1. Obrigada pelo comentário e, também, por fazer parte deste blog,como seguidora.

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